A Escola / Oficinas

O fruto da árvore do saber! Ele já está se empanturrando. Ainda que seja a maldição eterna, ele não resiste e se empanturra, comilão infeliz! Às vezes eu penso: eu bem que ficaria preso dez braças debaixo da terra, onde não viesse mais luz, para saber o que é isso: a luz. E o pior: o que eu sei, eu não sei calar. Como um amante, como um bêbado, como um traidor. É realmente um vício, e leva à desgraça. (Galileu Galilei, B. Brecht)

Ter uma escola onde possa repassar seus conhecimentos, sua linguagem, sempre foi algo sonhado, idealizado pelo Tá na Rua. As Oficinas Teatrais, surgidas nos inícios de sua formação, são a semente desse projeto; foram o primeiro espaço de troca e de passagem de conhecimento. Um diálogo que muito enriquece a pesquisa e contribui para o desenvolvimento da linguagem.

A possibilidade real de formar uma escola do Tá na Rua entretanto, só surgiu a partir do momento em que o grupo passou a ocupar a Casa que, com seus amplos salões, contribui para a materialização desse desejo. A oferta contínua de oficinas em seus espaços, fortaleceu os caminhos para o desenvolvimento da Escola, à medida que possibilitou estabelecer um processo de trabalho mais claro de transmissão da linguagem desenvolvida pelo grupo, onde os atores participantes aprimoram suas habilidades artísticas, espaciais e de entendimento de textos e narrativas, em contato com o pensamento de Amir Haddad.

Pelas características dessa linguagem, que procura se alimentar dos conhecimentos apreendidos por Amir em suas observações e leituras sobre as formas dramáticas da cultura popular brasileira, como o bumba-meu-boi, os cortejos litúrgico-religiosos, a estrutura dos ensaios e desfiles das escolas de samba cariocas e outras festividades, essa escola recebe o nome de Escola Carioca do Espetáculo Brasileiro.

O carnaval faz parte do currículo da minha escola de teatro, que se chama Escola Carioca de Espetáculo Brasileiro. Eu gostaria que houvesse também a Escola Nordestina de Espetáculo Brasileiro e a Escola Amazônica de Espetáculo Brasileiro; que fosse possível trabalhar e aglomerar ideias e formas dramáticas específicas de cada região, que são abundantes e diversificadas pelo Brasil afora, em vez de continuar bebendo apenas da fonte do espetáculo europeu, já exaurida; e, assim, descobrir um espetáculo possível para o futuro. (Amir Haddad)

As Oficinas do Tá na Rua se caracterizam por seus aspectos informais, que buscam emergir no ator aquilo que tem de mais importante: o destravamento do corpo, o encontro mais real com a afetividade e a sexualidade; fortalecer sua capacidade de refletir sobre a realidade, de criar uma opinião sobre os acontecimentos, de entrar em contato com suas possibilidades e capacidades como ser humano.

Procuram desta forma, trabalhar sobre a expressão do ator, de modo a torná-lo mais livre, com gestos mais amplos, o corpo mais ágil, expressivo e atento à ocupação do espaço; sensível à percepção de que é um polo transmissor de energia e de que isso o transforma, sempre e onde quer que esteja no centro do espaço que o rodeia.

Estabelece assim, a sintonia entre o dentro e o fora, atuando sobre o interior e o exterior do ator, sobre seu afeto e a liberação desse afeto por meio da transformação de seu imaginário em ações, em movimento e o torna capaz de expressar, por intermédio de seu corpo, sua compreensão sobre o mundo.

Preparo atores que sejam capazes de se situar no espaço, como o jogador num campo de futebol, porque têm perfeita noção de como eles devem se colocar e quais as relações que se estabelecem na cena. (Amir Haddad)

SAIBA MAIS

Os espaços de transmissão de conhecimento sempre estiveram presentes na trajetória do Grupo Tá na Rua. Um dos primeiros eventos de que o grupo participou foi uma série de oficinas realizadas no Teatro Garagem, em Brasília-DF, em 1980, onde o grupo desenvolveu um trabalho em que havia intensa participação do público, e que abarcava o movimento expressivo do corpo a partir de músicas de diversos ritmos, a leitura de textos, a criação de cenas improvisadas – as Oficinas Teatrais.

Em 1981, no período em que ocupa um espaço na Casa do Estudante Universitário – C.E.U., em Botafogo/RJ e, paralelamente, recebe algum apoio financeiro da Fundação Rio/RioArte, esse tipo de trabalho se torna contínuo e em pouco tempo há um grupo de cerca de trinta pessoas comparecendo semanalmente a essas atividades. A força desse movimento leva o grupo a pensar, desde então, na possibilidade de criar uma escola, onde esse trabalho possa se realizar de forma mais ampla.

O primeiro movimento em direção à concretização desse pensamento se dá em 2001, com a criação do Centro de Formação e Desenvolvimento do Ator, criado para consolidar o núcleo de oficinas da Casa do Tá na Rua e que realiza a U.T.I. – Unidade de Teatralização Intensiva / Academia de Musculação Afetiva, com oficinas oferecidas por atores do grupo e outros profissionais.

Ainda nesse mesmo ano, através de parceria estabelecida entre o Centro de Formação e Desenvolvimento do Ator e o Teatro Carlos Gomes – com a finalidade de ampliar as ações efetivas da administração do teatro, enquanto espaço cultural público instaurado no Centro da cidade do Rio de Janeiro -, é criado o projeto Carlos Gomes em Formação com oficinas teatrais para atores e não atores. Com início em agosto/2001, o projeto integrou em seu âmbito os trabalhos de 2 grupos teatrais instalados nesse mesmo bairro/espaço da cidade: o Grupo Tá na Rua e A Casa (esta, composta pelos grupos: Teatro de Anônimo, Diadokai, Abayomi, Cia do Público, Cordão do Boitatá, Boi Cascudo e Juliana Jardim). Foram realizadas 18 oficinas; e a apresentação de um Auto de Natal, baseado em poema de Patativa do Assaré, na Praça Tiradentes-Centro (RJ), em dezembro 2001, encerrou suas atividades.

Nos anos seguintes, a realização contínua de diversas oficinas sedimentaram esse trabalho e possibilitaram a criação da Escola.

Grosso modo, as oficinas do Tá na Rua têm uma característica em comum: o fortalecimento do indivíduo e do coletivo. Em profunda sintonia com o pensamento de seu coordenador e orientador, o grupo entende o teatro como uma arte coletiva, logo o seu treinamento deve ser também coletivo. De curta, média ou longa duração, as oficinas são, ao mesmo tempo, espaço de transmissão de saber e de treinamento dos atores do grupo.

Definidas como espaços de troca, aprendizado e discussões, as oficinas ganham, às vezes, características específicas que as identificam. Elas se estruturam da seguinte forma:

Oficina de Despressurização: é a oficina básica do Tá na Rua. Em sua forma mais estruturada e que é, em geral, realizada pelo grupo, ela se desenvolve por meio de improvisações livres que atuam sobre a expressão individual e coletiva. O estímulo sonoro, por meio de músicas gravadas e/ou o uso de instrumentos, e a utilização de material cênico disponibilizado — figurinos, tecidos, máscaras, perucas — constituem sua base. Atuando sobre a percepção do ator, as oficinas o levam a uma maior e melhor compreensão sobre o espaço. Atualmente, essas oficinas têm também sido identificadas por Amir Haddad como Oficinas de Des-Iniciação Teatral.

Há também oficinas que são realizadas com um propósito ou um foco temático específico e que são então, nomeadas de acordo com o mesmo. É o caso das Oficinas de Natal – onde os tradicionais Autos de Natal são trabalhados e, posteriormente realizados pelas ruas e praças da cidade. E das Oficinas de Carnaval, que oferecem uma experiencia de formação e condução de cortejos teatrais utilizando a linguagem carnavalizada do grupo.

Oficinas de Desmontagem Teatral: realizadas a partir da leitura de um texto específico, esse tipo de oficina cuida principalmente da capacidade de compreensão, por parte do ator, do texto dramatúrgico que lê. É um trabalho cuidadoso sobre o pensamento do autor, de limpeza das palavras que o constituem, a fim de melhor revelar seu significado, permitindo ao ator aprofundar sua compreensão e ter uma visão crítica, desenvolver sua opinião. Amir Haddad diz que nesse processo, além da desmontagem do texto, que se dá sem nenhum compromisso de se transformar em um espetáculo, é possível desmontar o ator, verdadeiro objeto de desenvolvimento e trabalho, e extrair de ambos a essência.

Studio A: realiza o mesmo tipo de trabalho das Oficinas de Desmontagem, mas aqui este se faz pelo uso de fragmentos de cenas ou de textos clássicos que são, da mesma forma, utilizados para que os atores aprofundem sua visão crítica da dramaturgia para além do que está escrito.

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